45 - MERGULHO


Eram bem mornas as espessas águas daquele passeio vermelho.

Teresa avançava pelo rio de sangue sem perceber que mistério lhe permitia respirar. Mal mergulhara na profundidade colorida das suas correntes, os pulmões ficaram cheios daquele líquido viscoso. Estranhamente a hematose processava-se com normalidade. Yatughuman recomendara-lhe que se despisse antes de se fazer ao rio.

O corpo avançava com tamanha tranquilidade que se sentiu simultaneamente como um peixe, como uma ave, como um feroz jaguar e como o mais ágil dos símios que jamais existiram à face da terra.

Tem de manter os olhos fechados pois o líquido encarnado provoca-lhe uma irritante comichão na vista. Numa das raras vezes que abriu os olhos, suportando a intensa dor na vista, viu uma imagem muito nítida da neta e das filhas bem no centro daquele turbilhão avermelhado.

Não conseguia escutar Yatughuman dentro de si. As palavras do índio, que se fizeram entender serenas e doces no centro das suas ideias, já não pertencem a este passeio. Tinham permanecido nas margens do rio, junto à aldeia índia, com as centenas de crianças que assistiram ao mergulho corajoso da avó Teresa e que acenaram sorridentes antes que a sua cabeça desaparecesse debaixo da forte correnteza do amazonas vermelho.

Não houve tempo para muitas preparações.

O índio agarrou a mão esquerda de Teresa e indicou-lhe o local junto à margem do rio onde devia começar a sua viagem. Deixou que as palavras se apagassem da mesma misteriosa maneira como tiveram início, através de um intenso calafrio que percorreu o corpo todo desde os pés ao alto da cabeça. E sem mais demoras, com as mãos agarradas ao pescoço, deslizou veloz por entre a vegetação e desapareceu sem deixar rasto. As centenas de crianças permaneceram ali serenas, simpatiquíssimas, despedindo-se de Teresa, e a voz distante e serena de Yatughuman a desejar-lhe a melhor das sortes deste mundo.

O corpo deixou de lhe pesar.

Sentiu receio, um medo terrível de ser carregada na direcção errada.

Um pânico horrível que não conseguia controlar. Percebeu naquele instante que não tinha qualquer ideia para participar a Serafim. As suas capacidades de argumentação serão tudo menos mágicas.

Como será capaz de o fazer desistir daquele tormento se até um ódio desleal lhe passou pela mente?

Serafim não pode desistir de todos com esta aparente facilidade! Não pode abandonar o caminho construído com tantas lágrimas desta maneira tão crua e tão simples. As neves de Sagarmatha esperam ainda por ele.

Deve ainda à neta Maria, tão intensamente elogiada e protegida pelo índio Yatughuman, que lhe descobrira os misteriosos poderes capazes de salvar esta frágil moradia que habitamos, a felicidade do seu regresso!

Tudo isto Teresa terá de transmitir ao seu marido quando chegar ao final da caminhada, lá onde Xolotl se vai impacientando.


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