42 - FORÇA


Mariazinha percebeu que era muito difícil defender a necessidade de conversa neste novo contexto. Os pais não lhes vão permitir qualquer espécie de privacidade, e o Luís parece mais irrequieto do que nunca.

- Tu estás boa da cabeça? Devo ter a perna toda negra! Eu sei pouco ou nada dos pormenores do teu passeio. O que é que tu queres afinal? Não consigo aguentar muito mais tempo por esse teu segredo.

O Luís não comeu nada do creme delicioso, não conseguia manter-se quieto no lugar, parecia ter sido atacado por uma comichão provocativa que não lhe trazia qualquer serenidade.

- Come um bocadinho da sopa Luís, anda lá! Mas afinal de contas o que é que tu tens que não consegues parar quieto? Já podes ficar mais tranquilo agora que a prima apareceu. Acalma-te e come a sopa se faz favor!

Nada! O rosto sardento do rapaz continuava a revelar os mesmos sintomas de irrequietude. Uma força imensa estava a crescer dentro de si e a fazer-lhe cócegas na língua. As palavras aos berros a prosperar-lhe nas ideias.

- Mas afinal de contas onde é que estão escondidos os avós, Maria? Estou farto de estar à espera pelas tuas novidades, já não aguento mais! Diz lá para onde é que foram os avós, onde é que tu foste ter com eles, por onde é que tu andaste Maria? Conta lá tudo à gente!

O menino não conseguiu aguentar mais e desatou assim desta forma a ansiedade. Os tios e a mãe Joana ficaram mudos de espanto. A prima Maria mantinha-se tranquila a comer o creme delicioso. Era como se tudo estivesse no mais perfeito sossego. Jurara a si própria não sair dela uma única sílaba acerca dessa aventura até que o primo volte a dar sintomas de alguma normalidade.

- Credo! O que é que se passa contigo Luís? Mas que história vem a ser essa? Tens de ter calma. Ninguém faz a mais pequena ideia do local para onde foram os avós! O senhor inspector Justino e todos os agentes da polícia já estão a trabalhar em conjunto para tentar trazer-nos novidades acerca dos avós! Achas mesmo que a Mariazinha iria saber alguma coisa sobre o caso?

Os olhos do Luís davam sinais de nervoso miudinho. As palavras da mãe não o tinham sossegado nem um bocadinho. Mantinham-se todas as dúvidas a pairar cinzentas na sua cabeça.

- Está calado Luís, vá lá! Espera só mais um bocadinho. Assim que acabarmos de comer a sopa conto-te tudo o que queres saber. Agora acalma-te e come só um bocadinho da sopa. Se não comeres não te digo nada e tu sabes muito bem que eu não costumo mentir.

Valquíria e Sebastião ficaram preocupados com esta estranha reacção do sobrinho. Tem andado muito nervoso e agitado, a pensar que se devia a ele o desaparecimento de Maria. Agora tem esta atitude alvoroçada numa conversa sem sentido que dá a entender muita barafunda e complicação a par de um discurso desconexo.

O pequenito estava a tentar entender à sua maneira como é possível acontecer tamanha transfiguração da realidade assim tão facilmente diante dos olhos de todos. Se aos adultos se exige essa capacidade e não a conseguem descobrir, o que dizer de um rapazinho tão novo e inocente a tentar resolver dentro dele o imenso caos?

A colher de sopa já estava agarrada na mão direita.

Tinha resolvido dar ouvido às palavras da prima Mariazinha. Tantos olhos admirados a olharem para ele ao mesmo tempo e com aquelas estranhas expressões acordaram nele um bocadinho de bonança.

E não é que o creme de espargos está mesmo uma delícia!

Não vale a pena tentar contrariar as ideias da prima. Ela é aquilo que diz e faz tudo o que comanda. A promessa de Maria será cumprida. Disso não resta a mais pequena dúvida! A canela lateja lamentando a desesperada investida do dono na procura da verdade da história. E uma nódoa negra crescerá nela como lembrança daquele acto desesperado. Mas é tanta a vontade em saber o que se passou com Mariazinha. Não consegue esconder o terrível susto daqueles primeiros instantes em que a prima se sumiu. E logo após ter assumido a responsabilidade de tentar decifrar o mistério do desaparecimento dos avós.

- A sopa está mesmo uma maravilha! Tinhas razão Maria, desculpa. Vou fazer tudo aquilo que me disseste. Mas não te esqueças do prometido.

Joana estava preocupada com Luís, principalmente pela forma e pelo tom alterado com que carregou as suas penúltimas palavras.

Teresa mantém-se tranquilamente adormecida.

Quetzalcoatl precisa que a avó tenha as forças totalmente restabelecidas pois espera-a uma empreitada difícil. Não pode ser a pequena menina corajosa a alterar a vontade do avô. Teresa terá de mergulhar no mesmo rio vermelho que lhe arrastou o marido dando cumprimento aos seus propósitos. A grande diferença é que a grande Sucuri não a pode acompanhar nessa demanda.

Primeiro, terá de lhe dar a entender quais os verdadeiros motivos da viagem e quais os receios que já lhe vão aparecendo em sonhos.

Depois, terá de explicar-lhe quem é Xolotl e quais os motivos pelos quais o irmão não pode manter por muito mais tempo a alma perdida de Serafim a vaguear adormecida à porta de entrada da grande viagem.

Finalmente, terá de lhe explicar que as imprevistas alucinações do irmão Xolotl podem ter-lhe alterado as atitudes, mesmo que Quetzacoatl lhe tenha pedido para agir de outra maneira.

A reacção com que Teresa receberá de Yatughuman as explicações necessárias para a missão que se prepara, será, também ela, totalmente imprevisível.

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