15 - MARIA


- Se calhar os avós foram dar um passeio até à lua! Dizem que ainda lá estão os foguetões dos astronautas americanos, mais os carros lunares que por lá deixaram. Eram perfeitos jipes.

Maria ficou com vontade de dar um valente safanão ao primo Miguel. Seria possível estar a dizer tamanhos disparates numa hora destas?

- Miguel, deixa de ser tontinho! Tu não percebes nada pois não? Os avós desapareceram da festa. Foram, não se sabe para onde, numa relva voadora. Nada nesta história bate certo e tu estás para aí só a dizer parvoíces.

Precisou de uns instantes para decifrar o raspanete da prima. Realmente, não fazia grande sentido estar a fazer-se de engraçadinho quando todos os convidados,os tios, os pais, enfim, todos os que por ali ficaram a observar o fenómeno, se mostram tão preocupados. Mas eles é que são os adultos. Eles é que sabem tudo acerca de todas as coisas. Mais tarde ou mais cedo vão descobrir porque é que tudo aquilo está a acontecer.

- Maria, se calhar o avô Serafim mandou construir aquela fantástica máquina voadora para dar de presente aos teus papás! Vais ver, não tarda nada estão de volta com a prenda.

Ficaram ali a observar o céu, a tentar perceber alguma forma parecida com a do tapete verde voador que lhes acabara de raptar os avós.

- Sabes uma coisa Miguel? Os avós têm muita sorte. Eu até gostava de ser um bocadinho mais velha para ir passear com eles naquele tapete. Tocar as fofas nuvens brancas lá no alto, ver se sempre sabem a algodão doce, como imagino. Quando voltarem vou pedir ao avô Serafim para dar uma volta lá por cima como eles estão agora a fazer.

- E tu não tens medo? Viste bem a altura a que eles subiram? Era do tamanho do Everest, ou mais alto ainda! O meu papá diz que lá em cima não se respira. Falta-nos o ar e ficamos muito mais cansados do que aqui no chão. Tu não tens medo de não conseguir respirar?

Maria ficou a olhar para Miguel com um ar sério, pensativo. Os avós deviam estar a passar por sérias dificuldades. Se lhes falta o ar, se ficam tontos e caem lá de tão alto, se não conseguem voltar para a festa a tempo, se, se, se, se...

- Podem perder-se lá em cima no espaço sideral? E quem os vai depois buscar? As ovelhas voadoras das tuas histórias de adormecer, é Miguel, é, é...? O teu amigo Aladino no tapete voador? O super-homem? Mas tu não percebes que essas coisas não existem Miguel, nada disso existe. São só histórias da carochinha!

Maria ficou muito assustada com a possibilidade de não mais ver os seus queridos avós! Percebeu a verdadeira dimensão do problema e os olhos davam sinais da fraqueza.

- Não chores Maria, vá lá. Estás a assustar-me! Tu nunca choras! És a menina mais valente do Universo. Vais descobrir a solução para o problema. Tu resolves sempre tudo priminha. Se tu não conseguires, mais ninguém consegue.

Perfeito. Era mesmo aquilo que Maria desejava neste momento. Ter nos ombros o peso de tanta responsabilidade.

Gosta de grandes finais, nada há de pequeno em si. Aprendeu desde muito cedo a acreditar em si, a acreditar possuir uma força espantosa que a ajuda na concretização de todas as suas tarefas. Esta é, aliás, a única forma que encontra para resolver os problemas, corajosamente, diga-se em abono da verdade. Maria é feita de coragem. Herdou tantas evidências da avó Teresa que até as tarântulas se arrepiam com medo da sua força. A avó habituou a menina a escutar um poema que lhe cimentou a esperança com a cola da virtude.

Não ter medo de ter medo

ter coragem de olhar para o medo como se fosse um imenso rio sem foz

resistir remando com as forças da razão

escutar e sentir dentro da sua alma a nossa voz

Aquela música acordara em Maria a vontade em arranjar solução para o problema. A avó fornecera à neta as âncoras necessárias para que os desertos pareçam menos intransponíveis.

Maria fechou os olhos para dar luz ao poema da avó. Viu um intenso e escuro azul, muito aveludado. Sentiu o rio de medo a sacudir o seu pequeno barco nas acidentadas correntes. As pequenas mãos ficaram mornas com a intensidade com que agarrou os remos da barcaça. Uma força confusa tomou conta dos seus braços, não mais parando Maria de remar. Queria sentir a coragem da avó naquele instante.

Pensou, colou o desejo ao barco com tanta intensidade, com tamanha vontade e calor, que o inimaginável aconteceu. Um ruído abafado surgiu bem acima da sua cabeça de menina. Uma sombra ficou a pairar durante alguns segundos, vinda do céu. Tapou mais de um terço do intenso azul que desenhava a paisagem sobre o leito caudaloso do viajante e sentou-se ao lado da barqueira, tomando rapidamente conta do remo esquerdo da embarcação.

- Força, a dois tempos para domarmos a forte corrente que nos agita a segurança! Força Maria, vamos mostrar a este senhor como se vence a sua vontade de mandar...!

O barco ganhou velocidade e afastou-se no meio do turbilhão de remoinhos arrastando a incrédula Maria juntamente com a avó, acabada de descer milagrosamente do céu para a salvar.

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