36 - DANÇAR


Um ninho segredava a sua existência ao tronco que o sustentava. As pequenas aves que nele se abrigam vão sinalizando a lazeira num chilrear assustado. O plátano do jardim abriga muitos destes tesouros nas suas ramagens. Todos os anos, por esta altura, renovam a sua musicalidade e destino oferecendo-lhe companhia. Proporcionam-lhe a feliz sensação de se imaginar parceiro nos milhares de voos realizados pelos progenitores de quem tanto alarido semeia aos sete ventos. É vê-lo, viajante voador, atrás de tanta passarada entretida na renovação dos seus caminhos de existência, sem pressas, com a mesma sábia lentidão com que as noites se aproximam.

São muitos os anos que lhe acrescentaram anéis à existência. Sonhos de morte já lhe passam tantas vezes pela seiva que lhe perpetua as raízes, mas ainda lhe sobrevivem os sonhos de viagens e passeios que estes pequenos habitantes velozes lhe vão trazendo embrulhados em saltinhos. Uma árvore morre de pé, no exacto local que lhe foi destinado em riqueza.

Alguns convidados viajaram pelo tempo ao demorarem os olhos na leitura dos segredos que a família foi escrevinhando no tronco ao longo dos anos.

- Vê-se a menina Mariazinha tão contente minha senhora! E os olhos da menina nunca enganaram ninguém!

Valquíria chegou ao local onde Sebastião bailava com a filha numa alegria infinita. O abraço a três apagou-lhes os receios sentidos. Joana olhava para aquele quadro da entrada de casa. O gigante que lhes tinha escondido Mariazinha fugiu da boda deixando-lhes a menina de presente, mas mantém os pais cativos neste dia de festa.

- Mamã, que maravilha! A prima está de volta! Vou já perguntar-lhe se ela conseguiu descobrir para onde é que os avós viajaram.

Joana segurou o Luís instintivamente por uma pequena nuvem ruiva do seu cabelo. E que estranhas palavras eram estas que o filho acabara de pronunciar? Teriam a ver com as brincadeiras que ele e a prima Mariazinha andam sempre a inventar?

- Luís Miguel, não é esta a melhor altura para interromper aqueles abraços! Estamos todos muito felizes com esta formidável surpresa. Os adultos são obrigados a pensar que o pior está sempre para acontecer. Ainda bem que com a Mariazinha acabámos por ter este final feliz.

O menino continuava a sentir aquele formigueiro na vontade, para lá de uma valente dor de cabeça na zona onde as madeixas foram repuxadas pela mãe.

Será que a prima tinha descoberto o local secreto para onde os avós se fizeram transportar? E a mãe não parecia ter nenhuma intenção de afrouxar a força com que o mantinha agarrado a si. Pelo menos nos próximos instantes talvez fosse melhor deixar a prima reconfortada nos abraços carinhosos que o tio Sebastião e a tia Valquíria lhe iam dando de presente. Eram bem merecidos.

Sentiu uma pontinha de inveja da prima. O pai e a mãe derreteram todas as possibilidades de diálogo e resolveram separar os seus destinos quando Luís Miguel ainda não tinha três anos.

Como seria sentir-se rodopiar assim no meio dos pais? Que bom saber que, ao menos, a prima pode sentir-se querida e protegida. Ela bem merece todo o carinho do Mundo. Está sempre de malas aviadas para mais uma espantosa brincadeira ou para tentar salvar alguém. Pode mesmo ser que venha a ser presidente da república ou uma coisa assim bem mais importante. Talvez presidente das empresas do avô Serafim. A primeira menina no planeta presidente antes dos dez anos! É bem melhor do que ser pirata ou bombeiro. Mas não é melhor do que ser como o senhor Indiana Jones, sempre a procurar por tesouros escondidos nas mais fantásticas regiões perdidas da Terra. É poderoso e imbatível.

Joana sentiu o telemóvel a dar sinal e deu trégua ao braço do Luís que aproveitou a situação para ir ter com Mariazinha. Eram muito importantes as perguntas para as quais desejava obter respostas. E a prima sã e salva. Que alívio! Que peso lhe tinha sido retirado de cima dos seus pequenos ombros de menino assustado.

- Maria, Mariazinha! Estou tão contente! Mas afinal de contas o que é que te aconteceu?

Valquíria e Sebastião perceberam que o sobrinho brilhava de satisfação. Fartam-se de brincar os dois como grandes amigos que são. Por vezes até parecem exagerar nas condimentadas doses de fantasia com que carregam as suas aventuras. O que lhes interessava agora era poder dar tréguas ao grande susto por que passaram. Ao Luís Miguel também interessava, e muito, obter da prima respostas para as interrogações que carrega dentro de si.

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- A Mariazinha vai connosco lá acima limpar esta carinha suja, compor o vestido e o cabelo. Se tu quiseres podes vir Luís, vamos precisar de um tempinho para dar descanso aos nossos corações amedrontados e para perguntar umas coisas à prima Maria. Depois vamos comer, está bem! Vocês ficam juntos à mesa e podem falar sobre tudo aquilo que vos apetecer.

Os olhos brilhantes do Luís Miguel disseram logo que sim. Já não faltava muito para tentar dar interpretação a este mistério. Com toda a certeza a prima Maria teria encontrado os avós. O sorriso que tinha desenhado na cara disso mesmo lhe ia dando conta. Quem sabe se não serão eles a conseguir proporcionar o seu regresso. Talvez o carro descapotável do tio Sebastião venha a ser novamente necessário. E se existe um condutor destemido e valente que os pode conduzir com rapidez e segurança a qualquer parte do Mundo, esse condutor é ele, o valente e sempre cuidadoso Luís Miguel.

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