31 - ENCONTRO



Serafim não sabia se estava a cair ou a voar.

Não sabia se estava a viver ou a morrer.

As imagens estavam muito desfocadas. Não tinha percebido que Teresa acabara de surgir ofegante, completamente encharcada e desesperada, vinda directamente da tempestade, entrando de rompante no abrigo de Yatughuman à procura da neta.

A figura nobre do chefe índio parecia entender todos os detalhes destes acontecimentos. Não dava conta de qualquer estranheza. Era como se todos os eventos lhe tivessem sido anteriormente comunicados. Parecia saber exactamente o que estava para acontecer.

Teresa conseguiu acalmar a sua perturbação quando entendeu que o marido se encontrava bem. Achou estranho não trazer qualquer peça de roupa a proteger o corpo molhado, mas também já nada devia ser considerado como estranho neste desenrolar de factos misteriosos. Recompôs-se com a mesma rapidez com que caíra de joelhos ao entrar na cabana.

Levantou-se, deslocou-se até junto de Serafim e colocou-lhe a mão no rosto cansado. Yatughuman afastou-se para que o casal pudesse conversar com a privacidade devida. Teresa agradeceu com um leve acenar de cabeça.

- Serafim, querido Serafim, como foi que nos conseguiste encontrar? Desde que as nossas mãos se separaram durante a queda, não consegui deixar de pensar por onde terias tu ido. Estava receosa que alguma coisa te tivesse acontecido.

As lágrimas que Serafim ia derramando misturavam-se com a água que lhe lavava o rosto. Não conseguia ver com clareza o rosto de Teresa. O próprio som da sua voz soava-lhe muito distante e alterado. Às palavras não lhes conseguia dar entendimento. O toque e o cheiro da mão que lhe afagava a face eram as únicas realidades que tinha conseguido decifrar com enorme facilidade. Teresa estava ali junto de si. Nada mais interessava a Serafim naquele instante. Abraçou-a com toda a vontade do Mundo, largando nesse acto a corda que trazia apertada na mão direita.

Deixou naquele segundo de considerar importante o apoio que lhe esta lhe tinha proporcionado.

Deixou naquele segundo de sentir o corpo de Teresa agarrado ao seu.

Yatughuman segura com todo o cuidado a cabeça de Serafim, aconchegando-a, virando-a ligeiramente para a sua direita, deitando-a de lado para não sufocar. Gritou aos índios que ali tinham permanecido que fossem buscar as sagradas folhas medicinais da grande mãe Sucuri. Só elas poderiam dar auxílio ao desfalecimento de Serafim e tentar trazê-lo de volta à realidade.

Teresa estava desolada. A vida de Serafim em risco no momento exacto do reencontro. Estavam a esgotar-se as forças que ia conseguindo encontrar no fundo do seu carácter. Tinha de se dividir. Maria continuava desaparecida e Serafim desfalecera de maneira muito estranha. Alguém lhe desligara o interruptor da alma e parecia entretido em jogar com a vida dos seus como marionetas de um teatro divino.

Resolveu permanecer ali junto ao marido. Já não tinha forças para chorar. Sentia uma raiva, um ódio e uma imensa revolta a subirem por ela acima, tomando-lhe conta das ideias, alterando-lhe a personalidade, modificando-lhe a razão.

Mariazinha agarrava-se com quanta força tinha ao corpo esguio da imensa cobra. A grande mãe Sucuri levantou voo com Mariazinha nas suas costas, subindo bem acima das negras nuvens que iam alimentando a tempestade.

A menina não sentia medo.

A menina não sentia calor, nem frio, nem conseguia dar descanso às ideias que surgiam com a mesma rapidez com que o animal se deslocava cortando o ar já rarefeito da atmosfera. Ia descobrindo lá bem do alto a dimensão grandiosa do imenso Amazonas.

O dia a nascer.

As raízes daquele passeio começavam a ficar fortemente vincadas na memória de Mariazinha.

Serafim não sabia se estava a cair ou a voar.

Não sabia se estava a viver ou a morrer.

.

Comentários