28 - MEDO


Estar no caminho do impossível a tentar encontrar pistas para decifrar a revolução que veste o dia do seu casamento.

Valquíria e Joana receberam com carinho o pequeno Luís. As irmãs sentiram-se reconfortadas ao proporcionarem conforto ao menino assustado. Os olhos espertos do rapaz deram conta de duas pequenas formas bem familiares caídas junto às portas da garagem. Como um raio saiu disparado da companhia da mãe e da tia para verificar se os olhos não o tinham atraiçoado. Ali estavam, perdidas no chão, as bonecas que a prima trata com tanto carinho. A Nana e a Marafona olhavam para o Luís em busca de auxílio.

Sebastião trouxe um chá e uns biscoitos para servir as irmãs que estavam intrigadas com a rapidez com que Luís saíra de junto delas. Olharam para ele e perceberam que trazia nas mãos as bonecas de Mariazinha resgatadas. A Marafona ficou com vontade de comunicar à anterior dona como foram esquecidas e largadas, por necessidade, pela menina apressada, mas é somente uma boneca.

A dor deixava de ser sentida. Sebastião pegou nas duas amigas da filha e procurou por algum sinal, mais alguma pista que lhe indicasse o lugar onde Mariazinha se encontra escondida. Os quatro permaneceram parados por alguns instantes. Trocaram olhares silenciosamente inquiridores, perguntando o que fazer a seguir.

Os ritmos dos seus corações subiram descontroladamente. Mariazinha não seria capaz de abandonar as amigas sem ter um forte motivo.

Era necessária serenidade neste momento de estranheza. Estavam a viver um dia mau no dia que deveria ser recordado como o mais perfeito de suas vidas. O alarme mantinha-os unidos e alerta. Esta estranha forma de desconforto estendia-se com a rapidez de um relâmpago directo ao coração.

Os quatro seguiram em direcção aos agentes de autoridade para comunicar a descoberta de Luís.

As guerras servem para ensinar a todos as lições devidas. Ninguém sai delas da mesma maneira como se preparou para as enfrentar. Sentiram-se teletransportados até ao inspector que dirigia as operações. Parecia não haver mais nada a fazer senão esperar.

O inspector entregou as bonecas de Maria a dois agentes que as colocaram com cuidado na viatura escura. Seguiram depois a estrada que os levou para lá dos portões da propriedade.

- Senhor polícia, por favor. Tratem bem a Nana e a Marafona. A prima Mariazinha não vos perdoará se alguma coisa menos boa lhes vier a acontecer.

O rosto inexpressivo do alto senhor transformou-se ao ouvir as palavras de Luís. Sentiu-se pai naquele momento, não polícia. O que poderia estar a passar pela cabeça do rapaz. Os avós desaparecidos. O casamento dos tios destroçado. A prima que se escondeu tão bem que ninguém sabe onde se encontra. O dia perfeito de festa, destruído.

- Não te preocupes com as bonecas da tua prima. Depois de nos contarem tudo aquilo que têm para nos dizer, serão tratadas como verdadeiras rainhas. Podes ficar descansado! Nada de mal lhes acontecerá. Eu próprio me encarregarei de as trazer de volta assim que seja possível.

Luís escutou as palavras do senhor inspector mas não lhes deu grande atenção. Ainda trazia bem marcada nele a impressão causada pelas palavras que Mariazinha pronunciou antes de desaparecer:

Não ter medo de ter medo

ter coragem de olhar para o medo como se fosse um imenso rio sem foz

resistir remando com as forças da razão

escutar e sentir dentro da sua alma a nossa voz

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