33 - TERESA

- Não podemos ficar aqui a olhar um para o outro. As amizades de ontem fazem parte da serena discussão necessária para tentar descobrir toda a verdade dos factos. Não se consegue entender nada deste estranho deambular, destas curiosas maneiras de tentar resolver as coisas do passado, do presente e do futuro. Deixar que o espaço se derreta nesta espécie de tecido aveludado e brando, que atemoriza as guaridas da existência. Se os planetas pudessem fornecer alguma pista, só isso já seria o suficiente para se avançar no entendimento desta viagem.

Os segredos vão manter-se na devida ordem. As palavras devem ser escutadas e sentidas com a cortesia merecida. Vale tudo para tentar fugir deste açaime. A voz fica presa ao corpo e nem a imensa vontade de gritar lhe garante a força necessária para o cumprimento da missão.

- Ficaremos mais próximos depois desta estranha experiência, quanto a isso, já nada nem ninguém o poderá alterar. O índio não tardará em nos dar auxílio. Nesta longínqua floresta nada mais resta senão aguardar pela ajuda dos que cá moram. Melhor do que ninguém, ele saberá providenciar o tratamento necessário para a tua dor.

Teresa mantém-se junto a Serafim. A mágoa a consumir-lhe o coração de mansinho. Não sabia onde estava Mariazinha. Não conseguia dar descanso à intenção de a ir procurar.

A corda que Serafim tinha trocado pelo aconchego do abraço de Teresa permanecia abandonada no chão da habitação, escondida no meio da ténue meia-luz que a ilumina.

Yatughuman mantinha-se afastado do local de decisão. A Sucuri tinha-o avisado para seguir escrupulosamente as velhas leis da selva, caso contrário pagaria a ousadia com a própria vida.

Ninguém imagina a tremenda violência com que essas simples e inocentes tentativas de intromissão serão anuladas.

Ninguém ousa quebrar as suas sagradas rotinas.

Teresa tem guardada uma confissão para dar de presente a Serafim. Quando partiu como louca em direcção ao vazio, na escuridão desprotegida para onde o tapete de relva os transportou, escutou uma misteriosa voz, muito familiar e à qual não conseguiu resistir. Chamava por si com tanta vontade, eram tão doces as lembranças que lhe proporcionava, que caminhou daquela maneira destemperada na procura do local onde nascia. Depois apenas se recorda de uma assustadora e vertiginosa descida, temperada pela escuridão e pelo segredo, que lhe serviu um sereno desmaio. E aquela voz doce, temperada com as sonoridades da sua infância a chamar por si. Mais uma vez não lhe conseguiu resistir. Voltou a tentar encontrar a sua origem.

Mariazinha passou pelo local onde tinha largado as companheiras de segredos. Não se encontravam por lá. Alguém as tinha encontrado e tomado conta delas. Talvez o primo Luís, quem sabe, as tenha descoberto. Foi isso mesmo que pretendera ao deixar semeado aquele tão primoroso detalhe. Aproximou-se da entrada da grande tenda onde os convidados iam já dando descanso ao apetite. Madame Berenice foi quem primeiro testemunhou a sua chegada. Deu alguns passos apressados na direcção da menina para confirmar o que os seus olhos viam. Era mesmo a menina Maria que vinha chegando, sã e salva, com o vestido ligeiramente amarrotado, aqui e além servido com pequenas manchas verde acastanhadas, nada de significativamente grave à primeira vista.

- Menina Maria, querida menina Maria! Os seus pais estão tão preocupados! Vamos dar-lhes esta maravilhosa novidade. Vai ser a mais espantosa notícia deste final de manhã!

Os meninos e meninas da aldeia índia surgiram a Maria no pensamento. Eram tantos e todos tão simpáticos. Achou particularmente bonitas as pinturas e alguns dos estranhos penteados que lhes adornavam as faces e a cabeça. Voltavam a acenar-lhe e a felicitá-la com as muitas caretas que iam desenhando nos rostos. Tinha pena de ter passado tão pouco tempo com eles.

A tempestade tropical tinha sido muito forte, tão forte quanto a dimensão da sua coragem ao conhecer Quetzacoatl. Essa surpreendente coragem não a conhecia ainda em si, por muito que o primo Luís esteja sempre a gritar aos sete ventos que ela é a menina mais valente do Mundo. Mas para a sua avó Teresa, não existe barreira nenhuma que não consiga enfrentar.

A doença do avô vai ser um osso bem duro de roer, mas se existe alguém no Mundo que possa ajudar a vencer essa malvada, essa pessoa é seguramente a sua querida avó Teresa.

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