26 – YATUGHUMAN


Cada instante vivido naquele lugar parecia durar uma pequena miniatura. Os passos dados eram mais leves e sentidos. Os meninos índios traziam cestas com muitas frutas que iam sendo depositadas junto aos pés de Maria. Os seus sorrisos continuavam a ser embrulhados com toda a delicadeza e expressavam uma candura já quase esquecida. As muitas danças que o chefe índio resolveu ofertar como cerimonial de boas-vindas continuavam a ser servidas no meio do enorme recinto, muito parecido a uma larga praça, que se estendia bem no centro protocolar da aldeia. Teresa fez sinal a Maria para que fosse comendo as frutas de saborosíssimo aspecto. Já não se conseguiam afugentar os ruídos que as barrigas das senhoras iam fazendo desde o último terço da viagem rio abaixo.

O chefe ia observando minuciosamente os gestos, as expressões, as pequenas alterações ao tom das conversas que Maria ia mantendo com Teresa. Jamais tinha visto peles assim tão alvas. O seu contentamento por poder dar guarida e atendimento a tão importantes figuras estava estampado no tamanho do seu sorriso. Já fazia algum tempo que o rosto de Yatughuman não se iluminava com tanta claridade.

Muitos vinham sendo os receios que lhe carregavam as noites com estranhos pesadelos. Esta chegada das senhoras transportadas pelas correntes do Grande Rio veio acalmar as suas considerações mais negativas. Foi na véspera da sua chegada que lhe foi dado a conhecer, num dos seus sonhos mais reais, que alguém muito importante iria aparecer de maneira discreta. Essa figura apareceu-lhe no sonho em forma de anaconda alada, com os olhos da imensa serpente carregados de um azul inexplicável, tão inexplicável como os brilhantes olhos azuis de Maria. O animal aproximou-se de Yatughuman, furtivamente, descendo pela madrugada negra da selva amazónica vindo do escuro céu. Sem lhe dar tempo para preparar gestos de fuga, colocou-o às suas costas e levou-o consigo pelo meio do escuro matagal que defende como muralhas a aldeia da sua tribo. No decorrer dessa viagem a grande anaconda conversou com o chefe acerca do passado, do presente e do futuro das suas gentes. Revelou-lhe o quão importante seria acolher com reverência e majestade as visitas que em breve iria receber. Queria que fossem tratadas como se dela própria se tratasse. Como se a grande serpente alada os visitasse em forma de gente, para evitar causar transtorno ou surpresa aos olhos dos habitantes da sua tribo. Essa seria a missão que muito em breve teria para realizar.

No centro das delicadas faces das crianças da aldeia percebia-se que era como um sonho poderem estar ali próximas de figuras tão diferentes, mas ao mesmo tempo tão parecidas. Maria estava no centro de todas as atenções. As danças e os ritmos iam crescendo de intensidade e algumas crianças acompanhavam os dançarinos adultos imitando-lhes as coreografias e copiando-lhes as expressões. O sentimento de espanto inicial tinha sido substituído por uma sensação de conforto pela recepção e simpatia proporcionada por todos os habitantes daquele remoto local do planeta. Sem esta ajuda seguramente estariam perdidas no meio de tanto verde com as vidas à mercê dos selvagens animais que habitam a noite da selva Amazónica.

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