25 - SEGREDOS





- É como voltar ao lugar onde pertencemos. Entendemos que tudo vale a pena para relembrar os momentos em que a vida nos transforma em pássaros. Os recursos gastos são aplicados em tentar entender o que está mesmo em frente aos nossos olhos. O mais raro dos produtos gasto das maneiras mais extraordinárias. O oxigénio que escasseia e nos parece rebentar as entranhas na dor que provoca cada golfada de ar naquelas altitudes, que atinge os pulmões como uma bomba. E se alguém morre nessa busca? Quando os maiores amigos se sentem a cair pelas encostas de Sagarmatha, transformam-se para sempre as almas dos que saem com vida desse desgosto. Ficamos a dever-lhes a honra de voltar até às cercanias da grande montanha com as vontades redobradas. Temos de pisar as marcas deixadas pelos companheiros de jornada. Vencer quem os derrotou para, com essa vitória, os conseguir resgatar de volta à vida.

O plátano ia escutando as palavras de Serafim de Carvalho e Melo minuciosamente. O caminho que o trouxera até si podia ser novamente percorrido. O tempo, a quem alguém pagou para travar corrida no decurso desta conversa, voltou novamente a correr na primeira direcção.

- As ampulhetas foram viradas, amigo Serafim. Perderei a minha licença se continuar a falar consigo de agora em diante. Tinha sido mais proveitoso se tivesse respeitado a regra principal de quem atinge este patamar de existência. O seu carácter não lhe deu as tréguas devidas. Continuou a fazer-se sentir em si de forma primária e bem delicada. Só lhe posso dizer mais uma coisa, mas de extrema importância. Não largue a corda que agarra com tanto vigor! Pelo menos não o faça nos próximos instantes. Ser-lhe-á ainda comunicada uma mensagem que só com perícia conseguirá decifrar. Depois, aperte-a bem ou deixe-a tombar no chão, conforme lhe ditarem os sentidos! Até breve caríssimo amigo Serafim. Até breve!

Pensou que não estaria muito longe de casa. Os cheiros e ruídos eram todos tão familiares. Levantou-se e seguiu viagem naquela paisagem em tons de cinza. A árvore ficava pequena à medida que o vento subia ligeiramente de intensidade e os passos o iam afastando do companheiro de conversa.

As explicações destes segredos e de outras surpresas pareciam saídas de um interrogatório realizado com toda a eficácia por peritos especializados. São eles que tudo sabem acerca das construções do Mundo. Estes plátanos tentam serenar os viajantes que chegam até eles. São os mais profissionais dos seres que habitam nestas paragens indecifráveis e impenetráveis. Os que com eles mantém conversas rapidamente se revelam com total clareza. Mesmo os mais escondidos segredos se derretem de forma surpreendente e clara após dois dedos de conversa. As identidades diluem-se e as máscaras tombam aos pés dos donos como folhas de Outono. Como se conhecessem os seus companheiros de conversa melhor do que os próprios, não se conseguem reconhecer imediatamente na descrição que os plátanos lhes oferecem. Fazem-no sabendo que essa função causa sempre esse embaraço inquietante e pouco acolhedor a quem o recebe assim sem aviso.

Os pulmões, o coração e depois o cérebro desligam-se lentamente e por esta ordem.

As respostas que cada viajante afadigado rabisca na lista são como pequenos grãos de areia de uma praia infinita. As luzes, de um branco intenso, vão-se desligando pela mesma ordem dos órgãos dos seus donos. A escuridão toma conta do tempo que se vai esgotando, desaparecendo completamente das memórias e lembranças de quem opta por se despedir.

Serafim decidiu manter o pedaço de corda que o prende às suas vontades apertado com vigor. Tem perguntas para as quais deseja obter respostas e receios para os quais deseja encontrar soluções.

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