3 - LUÍS





Maria aguardava pelo primo resguardada na fresca sombra do enorme plátano quase centenário que faz a guarda de ordem junto ao portão da garagem.

Desde que se lembra de recordar, esta imensa companhia sempre lhe causou enorme deslumbramento e uma tranquila sensação de segurança. O Luís gosta de se fazer engraçadinho e de aí escrevinhar baboseiras com um pequeno canivete que imita na perfeição aquele enorme vermelho que o pai usa sempre que pode como se fosse o brinquedo mais espantoso do Mundo. Está farto de lá rabiscar corações com os seus nomes, e que vai ser o seu namorado e mais outras parvoíces como aquela feia tentativa de desenhar o emblema do Sporting com um leão que mais parece um mosquito.

Mariazinha não percebe que ninguém consegue gostar dela assim desta maneira tão pura como o primo Luís. É uma paixão muito séria. Tão séria que nunca mais se esqueceu daquela pequena vergonha que o primo lhe fez passar na escola quando lhe escreveu uma carta com lindos versos de amor no dia dos namorados. E tinha logo que a enviar pelo correio com tudo certinho. Nome, morada da escola, selo no sítio e envelope perfumado. A professora Rita achou-a tão delicada, tão carregada de ternura que não resistiu e leu-a em plena aula para que a turma toda a pudesse partilhar. E isto sem lhe ter pedido a licença devida. Perdeu logo uma amiga!

A verdade é que, quando olha para aquelas tatuagens claras marcadas no grosso tronco da árvore, não consegue evitar os sorrisos, mas sem nunca deles dar conta a ninguém. O primo é bem engraçado. Há qualquer coisa naquele cabelo que lhe provoca sempre uma fortíssima vontade em lhe mexer. Parece que têm vida própria aqueles perfeitos caracóis cenoura. As sardas que lhe pintam as bochechas são muito engraçadas e os enormes olhos castanho mel parecem sempre potentes faróis a apontar na sua direcção. Só a chateia ele andar sempre atrás de si como um bebé atrás de uma chupeta. E agora, vá lá tentar perceber-se esta coisa estranha, ali está ela à espera que o primo saia da garagem para avançar pelo casamento dentro. Foi a eles que incumbiram a importante tarefa de fazer chegar as alianças de noivado até aos pais. Lá vem ele, correndo feito uma barata tonta. Nem se deu conta do lugar abrigado onde Mariazinha se encontrava.

- Luís! Luís Miguel! Anda cá, faz favor! Onde julgas tu que vais? Temos de ir ter com a avó Teresa. É ela que tem as alianças dos papás. Já te esqueceste que somos nós que vamos ter de as fazer chegar aos noivos?

O Luís sorriu com a cara toda. Tinha-se mesmo esquecido. Este avivar da memória para a tarefa que tinha de realizar com a prima Maria soube-lhe mesmo bem. Avançar até ao altar ao lado dela, com toda aquela gente a testemunhar, ia ser quase como se fossem eles os verdadeiros noivos.

-Eu, esquecido? Nunca na vida! Demorei-me só um bocadito mais na garagem para dar um nó no atacador do sapato. Foi por pouco que não caí depois de ter saído do carro! Vamos lá então ter com a avó. Ao avançar meio tolinho, dançando e saltitando, os cabelos de Luís iam arremessando beijos doces na direcção dos olhos atentos de Maria. Mais uma vez deixou-se hipnotizar pela sua coreografia alaranjada, colhendo com os pequenos dedos, um após outro, todos os beijos que tinham acabado de ser lançados em sua direcção.


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