5 - ANACONDA


-Os meninos já pensaram bem como vai ser importante a vossa tarefa no dia de hoje? Vão ter de estar bem atentos e concentrados naquilo que têm para fazer, ouviu bem menino Luís Miguel? Nada de risotas, andar ao contrário da prima Mariazinha, olhar para as pessoas ou para os pássaros ou para outro qualquer local que não sejam os olhos dos noivos. Eles estarão a olhar na vossa direcção.

O rapaz pesava aquelas palavras da avó Teresa com alguma preocupação e começou a ficar um bocadinho aflito. Afinal, não lhe parecia ser uma coisa assim tão complicada avançar com aquele cestinho engraçado nas mãos, lado a lado com a prima, até ao altar improvisado no topo do jardim. A Maria já tinha ido arrumar a Nana e a Marafona no seu quarto. Não lhe parecia ser muito apropriado aparecer com elas na mão na altura da entrega das alianças aos pais. Não seria uma coisa mesmo nada adulta.

- Ó avó, o Luís Miguel esteve outra vez dentro do carro do papá na garagem a brincar às viagens. Sabe onde é que ele me disse que estava perdido sem gasolina?

Teresa adora a fértil imaginação do Luís e os seus gostos de menino traquina hiper-activo, com aqueles caracóis esvoaçantes a dançarem constantemente na frente dos olhos de todos. É um verdadeiro tesouro. Mariazinha é a menina dos seus olhos. Teresa acabou por ter de ser mãe e mãe-avó das suas meninas de ouro. Coração de mel e coração de sonho, como lhes chama carinhosamente. Não lhe passa outra ideia pela cabeça que não seja a de indicar o melhor caminho de vida para todos os seus. Procura o constante fortalecimento dos seus laços. Depois de tantas e tão sofisticadas complicações, bem merece a tranquila agitação deste bonito dia de festa.

- Na Amazónia avó! Perdido no meio da selva e sem gasolina. Onde é que já se viu uma coisa destas! Avançou pelas estradas perigosas no carro do pai sem verificar se tinha combustível suficiente. É mesmo amador este explorador! Se não fossemos nós a salvar o Luísinho “Jones”, eu a Nana e a Marafona, a esta hora ainda estaria perdido por lá. E até era bem feito! Uma tarântula que lhe caísse na cabeça ou uma jibóia gigante que lhe apertasse o pescoço...

A princesa coração de sonho foi logo interrompida pela avó, com a devida eficácia.

- Maria, então! Não me parece lá muito correcto querer ver o Luís com uma jibóia à volta do pescoço. E tarântulas no cabelo? Mas que medo! E que ideia é essa de irem passear para a floresta Amazónica num dia tão importante como o de hoje?

O Luís e a Maria olharam com ar desconfiado e muito cúmplice um para o outro, as bochechas a corarem devagarinho.

- A avó já sabe! Se quiser pode vir connosco na próxima viagem que estou já a preparar. Mas só depois do casamento! Prometo, palavra de Luísinho “Jones”. Podemos ir até África como os tios. Vamos tentar descobrir esqueletos de hominídeos pré-históricos nas margens do lago Niassa. Ou talvez até à Mongólia para procurar dinossauros no deserto de Gobi.

Teresa sabia bem de quem herdaram estas pequenas cabecinhas irrequietas a imaginação fértil e tão galopante. Consegue perceber nestas crianças e na maneira como lhes brilham as ideias, todo o calor que tansborda das sensíveis obras de arte criadas pelo seu nobre Serafim.

- Hoje é com outro tipo de descoberta e de aventura que nos devemos ocupar. Os meus queridos meninos estão tão excitados que o melhor é pararmos um bocadinho, comer um doce e depois ensaiar só mais uma vez para que tudo corra na maior das perfeições.

Mais uma vez as mãos dos primos se juntaram à pequena asa da cesta em forma de estrela do mar, com uns pormenores de decoração tão deliciosos que era dificílimo manter os olhos afastados dela, de tão bonita que era. Mais uma vez os olhos de Luís se encheram de esperança ao avançar lado a lado com Maria, naquele último ensaio na presença da avó. Pacientemente encenava o casal para a importante cena que os aguarda.

E aquele público lá fora parecia não parar de aumentar em tamanho e ruído, a fazer lembrar uma enorme anaconda amazónica, a avançar lenta e silenciosamente pelos pântanos e lamaçais das suas húmidas florestas tropicais.


.

Comentários