12 - VAZIO


Tinham pensado duas vezes antes de se atreverem a abrir a porta do carro. A escuridão servia-se quer dentro quer fora da viatura. O sentido da visão não consegue enxergar. Teresa e Serafim saíram de mãos dadas, dando passos muito vagarosos, avançando com os braços à frente na tentativa de tactear qualquer objecto que lhes pudesse dar informações acerca do local onde se encontram. Um sentimento de saudade iluminou-lhes as almas, tomando conta daqueles instantes com tanta intensidade que as suas mãos ficaram vermelhas com a força da ligação. O silêncio era total, absoluto. Avançam por ele sem medos nem receios, numa vontade de ir por ali fora como crianças a jogar as escondidas.

Mais do que um sossego feito de vontades, nascia neles uma vontade de ir, de se deixarem ir e sentir o sopro morno do abraço daquela escuridão desconhecida que chegou tarde ao seu conhecimento. Qual será a melhor idade para se conseguir ter entendimento destes estranhos acontecimentos da vida? Surgem como sonhos intensos, como uma mudança súbita ao normal funcionamento do tempo, ou à nossa inocente capacidade de percepção do fenómeno.

- Não sei onde ponho os pés. Parece que a relva deixou de vestir o chão. Sinto a tua mão, o teu cheiro e calor, esta estranha e morna temperatura escura e húmida que nos vai aquecendo o corpo e o espírito.

Teresa não conseguiu articular qualquer resposta. Tinha de servir às lágrimas um leito para correrem. Cresceu nela uma incontrolável vontade de se abraçar a Serafim. Não conseguiu evitar o desabar da sua muralha de força e abraçou-o de imediato. Era vital sentir aquele abrigo, alimentar-se da segurança do marido.

- Más notícias, só más notícias! Estou a sentir o chão a terminar aqui neste local. Não me parece seguro avançar para lá deste tapete. Talvez não fosse má ideia tentar encontrar o caminho de volta até ao cadillac. Pode ser que lhe dê vontade em regressar, voltar a dar-nos a luz do seu interior, orientar-nos a viagem.

Serafim trazia Teresa ao colo, como no dia em que casaram, copiando os filmes românticos que iam aparecendo nas salas de cinemas nesses já tão longínquos dias. A rapidez com que Teresa deixou a segurança daquele repouso foi idêntica à velocidade com que o transporte mágico os deixou naquela indefenição. Saltou dali para o chão e correu no escuro em direcção ao ponto final do tapete. Assim que sentiu o exacto local onde terminava, deu um passo em frente em direcção ao desconhecido, deixando atrás dela os gritos de Serafim, que iam decrescendo em intensidade à medida que ia sentindo o seu corpo a cair desamparado num imenso e escuro vazio.

Teresa sentiu o corpo em queda vertiginosa até perder os sentidos com a velocidade da descida. Serafim permaneceu durante alguns instantes debruçado perto do precipício negro, gritando por Teresa até à exaustão, até deixar de ouvir o som do seu desespero. Ficou desorientado e completamente desiludido com a sua reacção. Não entendeu porque não seguiu em frente, em direcção ao desconhecido, logo após o salto intrépido de Teresa. Porque ficou ali especado a gritar por ela? Porque não recebeu o seu corpo ordens para acompanhar a mulher na aventura?

Mudou o destino do seu receio, das suas dúvidas, e avançou rumo ao desconhecido que o aguardava logo ali, à distância de um pequeníssimo passo em frente. Foi procurar por Teresa no fundo daquela queda que o vai engolindo como um dragão esfomeado.

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