6 - SERAFIM


Os cavalos apareciam de tantos locais, saltavam pelas planícies fora como se procurassem viver toda a vida naquele instante. Um grupo de puros-sangue lusitanos da coudelaria de Alter, montados por mestres e picadores da escola portuguesa de arte equestre, foi um dos sonhos com que Serafim presenteou a família e os convidados. Parecia uma criança nos últimos meses, a procurar sonhos para depois se entreter em torná-los reais e eternizar este dia na memória de todos os que dele fizessem parte. Não cabe no seu peito o gigantesco coração de Serafim. Tantas são as saídas em missão para fora do País, tantos os dias que se mantém por ano afastado do seio da sua família, tamanhas as vontades em dar, em partilhar. Tamanhas e gigantescas as dimensões das suas quase loucas vontades e manias. É por vezes difícil esconder da família as muitas missões de risco em que se vê envolvido. Não pode trazer à espuma das conversas diárias nada dos seus assuntos de negócios inter continentais. O seu poder gigantesco, ao que muitos dizem, não está nos milhões que possui, ou nos impérios construídos e geridos na área das telecomunicações com mestria visionária, ou no seu reconhecido e extraordinário gosto por arte que lhe proporcionou a capacidade de construir talvez a maior colecção particular de Chagall existente em todo o Mundo, ou em poder proporcionar à filha a possibilidade de colocar na sala do seu futuro lar nada mais nada menos que três espantosos originais de Paula Rego. O seu maior e verdadeiro poder reside na forma especial como alimenta, sem excepção, as suas importantíssimas amizades. Muitos chefes de estado de algumas das mais importantes nações do planeta não possuem as suas amizades nem tão pouco os seus conhecimentos pessoais. Serafim possui a capacidade espantosa de estar sempre presente e solidário para com todos os seus amigos nas alturas que estes mais dele necessitam. E continua a fazê-lo ainda hoje, como se fosse tão simples e normal, quase tão normal como beber um copo de água.

Os seus pensamentos estão com Valquíria. Estão com a sua filha mais nova, com a sua neta Maria e em especial com Teresa, sua esposa, a quem esteve tão perto de tentar convencer da maior loucura que poderia ter sucedido. Maria, caso não fosse sua avó uma inabalável muralha de conficções e forte, tão forte como é infinito o Universo, não estaria agora a correr em sua direcção com o mais doce sorriso que existe à face da Terra.

- Avô, avô querido, já viu os cavalinhos? E que belas são as fatiotas dos cavaleiros avô, tão bonitas! Parece que acabaram agora mesmo de chegar do passado numa máquina do tempo. Mas é claro! Só pode ter sido obra sua, não é verdade avô? É mesmo um querido!

Serafim pegou a mão da neta com orgulho. Um orgulho muito profundo e sentido. O desembaraço com que a neta alimentava a alegria deste dia, carregando-o com palavras meigas, era tudo o que podia desejar para hoje. O resto são apenas embrulhos iluminados e belos com que se enfeitam e escondem os presentes. Estes dias devem ser vividos com calma e majestade, apesar de terem o igual número de horas e segundos de todos os outros dias de um ano. E ao invés de passarem vagarosamente, para deles se extrairem todas as belas histórias que produzem, acabam por ser estes que desaparecem tão rapidamente como a espuma branca da maré ao tocar os quentes areais que as recebem.

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