24 - CULPA



Valquíria resolveu atacar os nervos aos berros.

Descontrolada, desceu as escadas em direcção ao jardim para onde correu até onde as forças a levaram, com a irmã sempre a segui-la como uma sombra. Ao dar descanso ao desespero, abriu a voz tentando alcançar o infinito. Joana sentiu na intensidade daquele grito toda a dor da irmã, o peso da angústia e o torpor causado por tamanho desespero.

O dia era para ser revelado doce, maravilhoso. Forças poderosas acabaram por o resgatar para o lado do infortúnio.

Joana permaneceu sentada ao lado de Valquíria obedecendo às respeitosas ordens impostas por tanta amargura. Ficaram largos momentos a fazer companhia uma à outra, em silêncio. Os bonitos olhos da noiva avançaram suplicantes para Joana, em busca de auxílio. Não conseguiram encontrar qualquer padrão de resposta que lhes acalmasse o espírito inquieto. As energias eram claramente negativas.

Sebastião parecia perdido no meio daquele sonho mau. Descobriu as irmãs amparadas, amigas, na sombra fornecida por dois chorões que as protegiam do sol da manhã. Não podia dar a Valquíria mais do que já estava a receber. O carinho e compreensão de Joana eram para ela bem mais importantes do que qualquer palavra que lhe pudesse oferecer.

Os seus préstimos eram necessários noutro local. Era importante dar conta dos acontecimentos que originaram este estado de coisas às autoridades que se encontravam junto à entrada da propriedade.

Estava ausente. Descobriu uma carapaça de invisibilidade que não conhecia em si. Nenhum som chegava até ele. Acordou para a realidade quando sentiu a mão direita apertada pela do pequeno Luís.

- Tio Sebastião! Tenho uma coisa muito importante para lhe dizer! É sobre a prima Maria, tio. Eu sei para onde foi a prima Maria! A culpa é toda minha, toda, toda minha!

Os olhitos muito espertos do menino olhavam para cima, procurando um perdão para aquele sentimento de culpa que lhe ia carregando as ideias. Entendera que o motivo que originara o desaparecimento da prima fora o pedido que lhe fizera para trazer de volta os avós.

- O que estás tu a dizer pequenito? Viste alguma coisa que não tenhas ainda contado? Sabes onde a Maria está escondida?

Luís Miguel engoliu todos os pedacinhos de medo que lhe iam apertando a garganta. Com os receios postos assim de parte, avançou com coragem para as respostas que o tio procurava nele.

- Fui eu tio. A culpa é toda minha! Quando os avós desapareceram no ar daquela maneira, fiquei muito espantado e cheio de medo. Pensei que eles nunca mais iam voltar para perto de nós. A prima Maria arranja sempre soluções para tudo! Ela é que tem sempre as respostas para todas as perguntas e sai sempre a ganhar de todos os jogos e brincadeiras. Lembrei-me de lhe pedir ajuda, de lhe pedir ajuda para conseguir trazer os avós de volta. E agora não sabemos onde ela está tio. E a culpa é toda minha!

Sebastião percebeu o pequeno rio que se formava nos olhos inocentes do sobrinho, tamanha aflição naquele corpo tão infantil. Pegou no rapazinho ao colo, como fazia quando brincavam os dois na praia nos longos dias de Verão. Apagou-lhe o desassossego com palavras cuidadas e caminharam os dois em direcção às manas que mantinham conversa do outro lado do imenso jardim.

- Sabes Luís, não deve faltar muito para que todo este mistério seja revelado. Os avós e a Maria devem estar a divertir-se imenso com esta enorme partida. Nós todos aqui tão preocupados e eles, de certeza, todos consolados e divertidos com mais esta brincadeira do avô Serafim. Sabes como ele é. Sempre a pregar partidas!

Os dois senhores aproximaram-se de Joana e Valquíria. Sebastião colocou o menino no chão junto à mãe. O seu olhar desceu até ao da noiva que se mantinha suplicante.


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