23 - ALDEIA


A vista alcança uma beleza digna de um conto de fadas. Nesta tribo são mais as crianças do que os adultos. Seguramente três ou quatro vezes mais do que o seu número. Ocupam-se de tarefas muito diversificadas, desde as simples brincadeiras dos mais pequenos, que se entretêem com tudo o que lhes aguçe a criatividade. Construção de pequenos utensílios, limpeza de todo o tipo de objectos utilitários, ajuda nas tarefas de preparação de alimentos e refeições, outros pintam e embelezam os corpos com motivos e adornos que fabricam recorrendo a técnicas muito próprias e misteriosas. Algumas das habitações e grandes tendas construídas com materiais que a mãe-natureza lhes faculta são embelezadas com plantas e folhas verdadeiramente gigantescas, sarapintadas aqui e além por algumas flores exóticas que abundam nesta remota região do planeta.

Teresa e Maria vão sendo encaminhadas até ao centro do aglomerado habitacional, resguardado e preservado, sabe-se lá como, de todas as vicissitudes da modernidade. A dado momento sentiram que este talvez estivesse a ser o primeiro contacto com alguém fora da tribo, vindo do Mundo exterior. Teresa estranhou a inocência com que as crianças lhes iam tocando, investigando as vestes, os penteados, os anéis e as pulseiras, os sapatos, a tez e macieza das suas peles, os seus cheiros, a cor dos seus olhares, a maneira como se encontram vestidas, a sonoridade bizarra do seu discurso que lhes arranca de imediato sonoras gargalhadas. Maria não sente qualquer espécie de receio. Todos os indicadores lhe dão entendimento que as intenções destes meninos índios não se encontram carregadas com o peso da maldade. Duas meninas resolveram fornecer-lhe a companhia das suas mãos, que sente mornas e protectoras, como se estivesse a ser cativada como a raposa da história do pequeno príncipe dos planetas estranhos. Maria sentia-se muito especial por ser assim motivo de tanta atenção. Apenas por ser diferente do grupo que as encaminha até ao centro daquela selva que lhes pertence como a mais ninguém neste Mundo.

- E se, subitamente, essa sua capacidade em sentir-se capaz de a todos poder ajudar desaparecesse como fina poeira soprada com a ligeireza de uma suave brisa? Ver desaparecer para sempre o prazer intenso que sente quando toma a decisão de fornecer a benesse das suas obras a uma qualquer alma necessitada de uma qualquer parte deste Mundo. Se tudo isso acabasse de um momento para o outro Serafim? Já se questionou das causas que o levaram a ajudar tantos seres humanos por esse Mundo fora e a descuidar de forma tão atabalhoada aqueles que lhe estão ou estavam mais próximos e que ansiavam pela sua presença amiga como do próprio ar que respiravam? Para onde caminhamos nós todos amigo Serafim? Para onde seguimos nesta longa e eterna viagem? Quais são, ao fim e ao cabo, as forças que nos vão abrigando as vontades e as acções?

Serafim continuava a escutar com toda a atenção as palavras do plátano. Desejava encontrar uma explicação para a sua situação. No fundo de si sabia qual a resposta, mas prefere alimentar uma ousadia em forma de esperança. Talvez esteja a ser enganado por essa sua maneira de sentir. Talvez ainda exista um outro lado da paisagem, uma saída deste cenário, uma ligação a esse palco onde tudo, ao fim e ao cabo, está verdadeiramente a acontecer.

- Não sei? Neste momento não consigo obter respostas nem para essas suas questões nem para as outras todas que me vão sendo bombardeadas na centro da minha alma. E que sons abafados são estes que se escutam lá ao longe? Parecem cães a ladrar? São mesmo! Sons de cães que ladram sem parar! De quem são os animais amigo plátano? São cães selvagens ou o dono deles habita também estas paragens tão cinzentas?

O chefe da tribo não teria mais de trinta anos! Recebeu as duas senhoras com um pequeno sorriso que lhe iluminava o rosto e transmitia serenidade. Eram muitas as mulheres que o acompanhavam e auxiliavam nesta recepção de boas vindas a Teresa e Maria. Era medianamente alto, muito adornado de plumagens, um vermelho muito forte barrava-lhe o cabelo que se adivinhava de um negro resplandecente por debaixo de tanta tinta. À volta dos pulsos, da cintura, do pescoço e dos tornozelos trazia imensos colares, pulseiras e muitos cintos que lhe davam uma aura de semi-deus das selvas, um quase pássaro em forma humana que iluminava o recinto com o imenso colorido com que se fazia anunciar. No seu rosto trazia pintadas duas grandes linhas negras, paralelas, por debaixo dos seus pequenos olhos profundamente castanhos. As sobrancelhas não existiam, as orelhas furadas e atravessadas com pequenas flechas de madeira pintada, adornadas nas pontas com pequenas plumas coloridas de pássaros.

Avançou em direcção a Teresa de cabeça bem levantada e em passo acelerado. Colocou-se frente a frente com a avó de Maria, rodando depois à sua volta, admirando-lhe a figura, demorando-se a retirar da sua silhueta todas as informações que considerou necessárias. Voltou novamente a colocar-se frente a frente com Teresa. Virou a cabeça ligeiramente para trás, dando instruções na sua língua para as mulheres que atrás dele se encontravam ajoelhadas aguardando instruções. Bateu duas vezes as palmas e imediatamente todos os elementos da tribo correram para o centro da enorme praça, circundaram num círculo perfeito todo o recinto, abraçaram-se virados para o seu interior e começaram a dançar e a cantar as boas-vindas a estas estranhas viajantes perdidas do Mundo de fora, trazidas até eles pelo Grande e Misterioso Amazonas, que tudo sabe e que a todos eles tudo deseja ensinar.

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