21 - PLÁTANO


-Que guerras vai combatendo dentro de si, caríssimo Serafim! Essa dimensão da sua existência devia ter sido apagada antes de ser trazido à minha presença. Não fazem aqui nenhum sentido essas ideias. Nenhum sentido!

Serafim, mal se aproximou do imenso e frondoso plátano, foi por ele assim recebido, com estas palavras meio misteriosas que não conseguiu entender de forma imediata. A estranheza de ter ouvido palavras proferidas por uma àrvore pela primeira vez na sua existência, deu-lhe vontade de sorrir.

- Não sei do que se está a rir!? Se soubesse tudo aquilo que terá ainda de suportar, todas as provas que terá de realizar para voltar a construir esperança dentro de si, caríssimo Serafim, não teria assim tanta vontade em sorrir. Fico contente em vê-lo chegar assim tão animado, diria mesmo, tranquilo e alegre. Este é o momento em que se deve deixar transportar pela ingenuidade que o total desconhecimento desta sua nova situação ainda lhe permite. As sensações que lhe vão sendo transmitidas já não são terrenas amigo Serafim! Terá, porventura, tido noção desta sua nova realidade?

Serafim parecia agora uma criança assustada. Começou a sentir arrepios de frio a percorrerem-lhe as costas de alto a baixo, até deixar de saber onde estava o chão que pisava. Não sabia de nada do que acontecia com a metade de baixo do seu corpo. Da cintura para baixo tudo se tinha desligado.

- Mas afinal o que se está a passar comigo? Podes dar-me alguma explicação para todos estes fenómenos? Que estranhos acontecimentos são estes que transformaram tudo o que outrora era facilmente entendível nesta barafunda inenarrável e surreal em que agora me movimento? E tu, meu amigo plátano, como consegues tu dar-me conta destas novidades? Uma árvore que fala é algo de verdadeiramente surpreendente! Não me vais dizer que isso aqui é algo absolutamente normal, como se alguma coisa de normal pudesse acontecer desde que saímos voando do casamento da minha filha Valquíria. Nada assume contornos de realidade desde que esse tapete de relva nos transportou de lá voando.

O silêncio voltou a iluminar por instantes o cenário.

Teresa e Maria estavam muito próximas da margem do rio. Eram pequenas as forças necessárias para se colocarem do lado seco da viagem. Apenas as suficientes para se conseguirem fazer levantar, transportar os corpos para fora da embarcação rumo a terra firme, retirar o meio de transporte do rio até que as vontades do Amazonas não mais o desejassem arrastar.

E como se de um sonho se tratasse, mal sentiram a segurança das margens, um mar de pequenas crianças correu até si, vindas de nenhures. Parecia que tinham estado ali a aguardar a sua chegada todo o tempo de Mundo, para as poderem receber em delírio como se fossem rainhas de verdade.

- Avó olhe, tantos meninos e meninas índios que nos vieram receber. Parece que sabiam o sítio exacto onde iríamos desembarcar. Como são simpáticos e coloridos nas suas pinturas e adornos. Parecem iguais aos pássaros que por cima de nós nos vieram a acompanhar.

Teresa ainda não conseguiu abranger toda a dimensão deste acontecimento. Seguramente não imaginara uma recepção desta dimensão e grandiosidade. Estavam ali bem mais de cinco dezenas de pequenas crianças índias, felicíssimas por poderem interagir com tão bizarras personagens. Tudo assumia proporções bem mais estranhas e inimagináveis.

Sentiu uma secreta alegria por saber que seres humanos habitavam ali por perto. Poderiam proporcionar algum aconchego, alguma informação de paradeiro e, quem sabe, ajudá-las a conseguir voltar a casa, para junto dos seus, para a cerimónia de casamento da filha Valquíria, que seguramente, deve estar arrasada com o desenrolar de todos estes estranhíssimos eventos.

Maria ia sendo contemplada por todos aqueles meninos como se fosse a maior riqueza do planeta. As suas roupas de festa, mesmo encharcadas e já carregadas aqui e além com o verde e castanho da paisagem, eram motivo de muita admiração.

Nunca tal se tinha visto por aquelas paragens.

Das profundezas mais remotas da selva amazónica, estes meninos transportam nos seus rostos perfeitos sentimentos de felicidade, oferecem-na em rasgados sorrisos a Maria, a quem vão animadamente indicando o caminho a seguir.

Teresa é convidada a acompanhar o grupo com a simpatia de um pequeno gesto de amizade servido por uma das criança mais crescidas da tribo. Continuava a tentar recordar todas as peripécias que as levaram às duas até ali, até este longínquo pedaço de paraíso terrestre.

-Não é possível adivinhar o que os relatórios sobre a continuidade dos segredos da existência podem vir a revelar amigo Serafim! É como se apenas tivessemos capacidade para entender o que se vai passando nos seus bastidores e nunca tivessemos acesso ao palco onde, ao fim e ao cabo, tudo se vai desenrolando. É por esse motivo que quando nos confrontamos com a descoberta da verdadeira realidade das coisas, a surpresa é de tal ordem, que nos transforma para todo o sempre. E nem pense em exigir qualquer tipo de explições acerca do significado destas alterações meu caro amigo, muito menos a esta sua tão insignificante companhia de ocasião, pois é seguro que não irá obter qualquer resposta que o possa satisfazer.

Serafim escutou com toda a atenção as palavras da árvore. Continuava sem sentir nada da cintura para baixo. Percebeu que o caminho que teria de trilhar a partir de agora seria muito solitário e carregado de surpresas inimagináveis.

Novamente um arrepio lhe percorreu as costas de alto a baixo.

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